Olavo Bilac segura a cabeça de Rodrigues Alves
Montagem a partir de caricaturas de revistas de época
por Joaquim Roberto Fagundes
Os partidários da política
pessoal do Conselheiro Rodrigues Alves e família eram chamados pelos
oposicionistas da Primeira Republica (órgãos da imprensa, políticos e povo em
geral) como ALVISTAS. Principalmente os correligionários que trabalhavam nas
eleições, votavam e possuíam emprego público conquistado pelo “cabresto cego e
guiado” ou por parentesco próximo. Como exemplo, a cidade de Guaratinguetá,
berço natal e político de Rodrigues Alves, onde existiam duas facções políticas
distintas e antagônicas brigando para ditar as regras locais: os partidários do
Comendador Antônio Rodrigues Alves, irmão do Conselheiro, e os seguidores da
família Rangel de Camargo, os CAMARGUISTAS. Era, portanto, uma marca, dentre
outras, da política agressiva, desafiadora e sem limites dos primeiros quarenta
anos de existência da República Brasileira; ainda em resquícios e travestida
nos dias atuais, em especial na última campanha eleitoral presidencial.
Mas durante o período presidencial
de Rodrigues Alves houve outro e diferente admirador e amigo do estadista no
Rio de Janeiro. Sem, contudo, ser um alvista político e correligionário. Muito
mais, talvez, amigo intimo da família do que um defensor ao extremo de sua
política “saneadora e modernizadora” da capital brasileira. Um alvista consagrado
na literatura brasileira: O “Príncipe dos Poetas”: Olavo Bilac.
Segundo o literato e memorialista
Humberto de Campos, na sua obra “Diário Secreto”, Olavo Bilac teria dado
mostras da sua grande simpatia e cavalheirismo para com Rodrigues Alves e
família durante o levante político-militar na noite de 14 de novembro de 1904, decorrente
da aprovação da lei da “Vacina Obrigatória” (1) e de uma forte e sectária
oposição militar visando instaurar uma ditadura militar no país após a renúncia
do titular, que, ao contrário do desejado pelos rebeldes, não o fez, declarando
expressamente que não sairia do local (2), com a célebre frase: “AQUI É O MEU
LUGAR” (3).
Naquela noite, o Palácio do
Catete ficou todo cercado por militares e oficiais obedientes ao presidente.
Conta o autor, por outra testemunha ocular, o apoio de Olavo Bilac:
“Sexta-feira,
27/01/1928.
... e ainda
sobre a mesma figura [Olavo Bilac], do meu culto e do seu Bonfim [contou]
‘- Bilac nesse
tempo bebia muito. Ele descia para a cidade, ordinariamente, entre as onze
horas e o meio dia, trazendo sua crônica diária para a ‘A Notícia’(4). E
começava a beber a essa hora, indo assim, a beber quase seguidamente, até alta
noite, às vezes até alta madrugada. Ainda tenho na memória uma das ocorrências
desse tempo. Foi a 14 de novembro de 1904. Nós havíamos entrado em um
restaurante daquela travessa que saí no largo da Lapa, e em cuja esquina fica,
ainda hoje, o Grande Hotel. Saímos tarde da noite e íamos para casa, quando, ao
passarmos em frente ao Catete, vimos o palácio cercado por grande força, que
aguardava ali o ataque da Escola Militar, que obedecia ao comando do Travassos
(5) e do Lauro Sodré (6). Inteirado dos acontecimentos, Bilac, que havia bebido
mais do que nunca, fez alto e declarou: - Eu não posso ir para casa... Eu vou
fazer companhia a meu amigo Rodrigues Alves!
E dando-se a
conhecer, penetrou no Catete, onde ficou até o dia seguinte, valendo-lhe isso
uma formidável descompostura do ‘Correio da Manhã’ (7).
Rodrigues
Alves, conclui Bonfim (8), - tinha por Bilac a maior estima. Dizia até que este
namorava uma filha do presidente, que fazia maior gosto no casamento. O que é
certo é que, se Bilac tivesse pedido a Rodrigues Alves um lugar na política ou
na administração, teria sido imediatamente satisfeito'.
Por fim, apenas existe o relato
do autor sobre os acontecimentos e o companheirismo de Bilac. Sabe-se que Bilac
não casou na família do Conselheiro. Quem sabe apenas enamorado de uma delas. Nos
registros deixados por Rodrigues Alves a respeito do evento também não existe
menção alguma ao fato. Parecem existir fotos de Bilac em eventos sociais onde o
titular estava presente.
Mas a história é enriquecida com
as memórias póstumas de fatos cotidianos desconhecidos e o relato de Humberto
de Campos parece ter procedência e revela algo mais que a história oficial.
Notas
(1) Para os episódios relativos
ao caso da Vacinação Obrigatória pode-se ler, entre tantos estudos, a obra:
CARVALHO, José Murilo de. Os
Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi. 2 ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987. Como também os artigos e caricaturas
publicados aqui.
(2) Os auxiliares mais próximos do presidente
queriam que ele saísse e fosse para o mar, utilizando os fundos do palácio, que
por aquele tempo tinha acesso direto ao mar. Como aconteceu algumas vezes com o
Presidente Epitácio Pessoa fez durante o seu governo em Estado de Sítio. Por
sua postura em ficar no palácio foi confeccionada uma pasta em couro com um
cartão de prata fixada na frente com os dizeres do presidente (foto acima). Ver
a respeito do levante em FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: apogeu e declínio do presidencialismo. Rio de
Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973.
(3) Fato similar aconteceu, em
outras condições e perspectivas, por Getúlio Vargas exatamente 50 anos depois,
antes de cometer suicídio.
(4) Jornal carioca onde Bilac
colaborou com seus poemas e crônicas.
(5) General Silvestre Travassos,
dirigente da Escola Militar da Praia Vermelha-RJ.
(6) Tenente Coronel do exército e
político paraense. Primeiro governador do Estado do Pará e senador. Foi um dos
maiores opositores do governo de Rodrigues Alves.
(7) Jornal carioca que fazia
franca objeção ao governo RA.
(8) Intelectual, escritor e médico,
nascido em Sergipe.
Referências
CAMPOS, Humberto de. Diário Secreto. Rio de Janeiro: Edições
O Cruzeiro, 1954.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a
República que não foi. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
FAGUNDES, Joaquim Roberto
Fagundes & MAIA, Thereza Regina de Camargo. Guaratinguetá: Ontem e Hoje.
São Paulo: Editora Noovha America, 2010.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: apogeu e declínio do
presidencialismo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973.
JORGE, Fernando. Vida e Poesia de Olavo Bilac. 5 ed.
revista e atualizada. Osasco, SP: Novo Século, 2007.
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