domingo, 18 de novembro de 2018

Pedidos de Nomeações Públicas


Nos tempos imperiais, como em todo tempo no país, a fidelidade partidária pela troca solidária também foi constante. Uma honra entre individuos com alguns interesses em comum. Não prevalecia na totalidade o ideário do Partido Consevador ou Liberal. Muitas vezes sobrepunham em acordo com as circunstâncias pontuais do momento, Prevalecia quase sempre a ascensão eleitoral e a ocupação por cargos. Era importante a manutenção de um eleitorado fiel e aguerrido, mesmo quando as distâncias corporais eram significativas. 
Na segunda metade do século XIX consolidou-se a política dos favores materiais em grande ou pequena escala, principalmente a nomeação para cargos entre aqueles que eram eleitores qualificados e que trabalhavam arregimetando votos para candidatos aos cargos majoritários (deputados provinciais e gerais; senadores) que proporcionasse status social e financeiro ao cidadão político que permanecia comandado políticas nos municípios, sustentando os diretórios e manipulando as juntas eleitorais. A tônica, inclusive, insidia numa rede clientelar com base no parentesco, quando a discussão sobre tal assunto ainda era rarefeita. O que era interessante notar pois estava também baseada em relações parentais bem próximas (por sangue ou compadrio), embora ainda de dificil compreensão histórica quando tratada sobre o crivo das relações internas entre membros de uma mesma família ou apelido que norteavam as linhas de privilégios a conceder. 
Muitos deles possuíam exercícios profissionais próprios, e não apenas lavradores, mas sobretudo comerciantes com grande influência sobre a população urbana e rural.
Entre tantos casos para citar,  o quadro de correligionários regionais do Conselheiro Rodrigues Alvesregionais estendia-se por todo o Vale do Paraíba, notadamente nas pequenas e ainda ricas cidades do café no traçado Guaratinguetá-Rio de Janeiro, como pode-se ver na extensa correspondência pessoal do titular no período do Brasil Império. 
Fosse de forma direta ou indireta, sempre existia a cordialidade do pedido, acompanhado de certa afetividade, preocupação e respeito, semelhantes a uma situação de idolatria e subserviciência. Mesmo daqueles com gabarito social com cabedal suficiente ou políticos da mesma envergadura. 
A série "Rodrigues Alves em Velhos Papéis" traz hoje uma carta, entre outras que virão, mostrando como na prática acontecia os trâmites eleitorais e pós-eleitorais no período. 
A missiva em questão foi escrita quando Rodrigues Alves já conquistara um eleitorado cativo no Vale do Paraíba, e já tendo exercicido mandatos de deputado provincial e geral; e, no momento acabado de entregar a Presidência do Estado de São Paulo para o Doutor Dutra Rodrigues (casado com a filha do Visconde de Guaratinguetá, Maria Augusta). 
A carta viera da cidade de Areias, do farmacêutico carioca Júlio Cesar da Costa Sampaio (1), que ali estabelecera comércio e conquistou confiança das principais famílias e o exercício de vários cargos locais, como presidente da Câmara, delegado de polícia, chefe da instrução pública, suplente de juiz municipal e um dos chefes do Partido Conservador. Um certo forasteiro diplomado com medalha dourada que casou com a filha do Major Laurindo Carvalho Penna (2)
Foi escrita em 8 de maio de 1888 e inicia como tantas outras redações da época, recomendando sáude para toda a famílias, para na sequência abordar o principal objeto da comunicação, o recem criado Segundo Tabelionato da cidade, vago até então. Criado justamente por decreto de Rodrigues Alves em 13/03/1888.
A causa em questão era pedir a intervenção do Doutor Dutra para nomear o seu cunhado Laurindo Penna Junior (3), para ser titular vitalício do referido cartório. Como também para pedir ajuda para a nomeação de outro cunhado, Agostinho Pinto de Sá, para o cargo de Porteiro da Câmara Municipal, cujo presidente, Dr. Gomes de Castro já havia prometido ao mesmo. Um reforço a mais de grande poder de persuasão. 
E termina pedindo desculpas pelo "cacete com estes dois negócios" e referindo a João Alfredo, do Gabinete de ministros do Império (4)
Do porteiro nada foi encontrado, mas Laurindo Júnior foi nomeado serventuário vitalício do Segundo Tabelionato de Areias, em 17 de maio de 1888, nove dias após a missiva enderaçada ao Conselheiro. Foi provido pelo vice-presidente do Estado, o mesmo Doutor Dutra Rodrigues. 
Assim funcionava a extensa clientela em busca de cargos públicos, tão almejados e solicitados. Sinônimo de estabilidade em meio a uma vindoura crise da agricultura. 
O que difere nos dias atuais?


Imagem: Cópia do original depositado no Museu Conselheiro Rodrigues Alves.

Notas

(1) Era filho do médico Joaquim Antônio da Costa Sampaio, professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e de Dona Maria Luiza da Cunha.   
(2) Major Laurindo de Carvalho Penna, nascido cerca de 1827 em Areias-SP. Falecido em 10/12/1889 no Rio de Janeiro.
Foi fazendeiro, proprietário e capitalista (empréstimo de dinheiro a juros) e comerciante matriculado no Tribunal do Comércio do Rio de Janeiro, estabelecendo primeiramente sociedade com Pedro Bordino da Câmara (PENNA & BORDINO) e depois com Dr. Júlio Pinto Pacca, de loja de fazenda de secos e molhados na rua principal. Em 1846 foi nomeado adminsitrador do Registro do Onça, no caminho para o porto de Mambuca, onde permeaceu até 1861. Capitão do 6º Batalhão da Guarda Nacional, reformado no posto de Major por decreto de 18/04/1874 e um dos chefes do Partido Conservador na localidade, onde exereceu os cargos de delegado (1875-1876); membro do Conselho Deliberativo da Junta Conservadora do partido; responsável pela junta de alistamento para os "Voluntários da Pátria", em 1865, por ocasião da Guerra do Paraguai. Em 1849 recebeu do governo imperial a "Ordem da Rosa", no grau de cavaleiro (Comendador). Como fazendeiro foi proprietário da grande Fazenda Sebastopol, na mesma localidade, sendo um dos primeiros a adquirir dos Estados Unidos uma máquina de beneficiar café.
(3) Nascido em Areias, esteve em São Paulo, onde passou pela Faculdade de Direito de São Paulo pelos anos de 1881 e 1882. Foi professor, na mesma cidade, em 1884, segundo o Almanach da Província de São Paulo, na Escola de ensino primário "Corrêa de Melo".
(4) Trata-se de João Alfredo Correia de Oliveira, político conservador, Presidente do Conselho de Ministros por ocasião da missiva e da abolição da escravatura no Brasil.

Referências

MUSEU HISTÓRICO E PEDAGÓGICO CONSELHEIRO RODRIGUES ALVES. Documentos pessoais do Conselheiro Rodrigues Alves.
LEAL, Carlos Eduardo de Castro. Família Carvalho Leme. Inédito. 

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Olavo Bilac Alvista

Olavo Bilac segura a cabeça de Rodrigues Alves
Montagem a partir de caricaturas de revistas de época
por Joaquim Roberto Fagundes


Os partidários da política pessoal do Conselheiro Rodrigues Alves e família eram chamados pelos oposicionistas da Primeira Republica (órgãos da imprensa, políticos e povo em geral) como ALVISTAS. Principalmente os correligionários que trabalhavam nas eleições, votavam e possuíam emprego público conquistado pelo “cabresto cego e guiado” ou por parentesco próximo. Como exemplo, a cidade de Guaratinguetá, berço natal e político de Rodrigues Alves, onde existiam duas facções políticas distintas e antagônicas brigando para ditar as regras locais: os partidários do Comendador Antônio Rodrigues Alves, irmão do Conselheiro, e os seguidores da família Rangel de Camargo, os CAMARGUISTAS. Era, portanto, uma marca, dentre outras, da política agressiva, desafiadora e sem limites dos primeiros quarenta anos de existência da República Brasileira; ainda em resquícios e travestida nos dias atuais, em especial na última campanha eleitoral presidencial.
Mas durante o período presidencial de Rodrigues Alves houve outro e diferente admirador e amigo do estadista no Rio de Janeiro. Sem, contudo, ser um alvista político e correligionário. Muito mais, talvez, amigo intimo da família do que um defensor ao extremo de sua política “saneadora e modernizadora” da capital brasileira. Um alvista consagrado na literatura brasileira: O “Príncipe dos Poetas”: Olavo Bilac.
Segundo o literato e memorialista Humberto de Campos, na sua obra “Diário Secreto”, Olavo Bilac teria dado mostras da sua grande simpatia e cavalheirismo para com Rodrigues Alves e família durante o levante político-militar na noite de 14 de novembro de 1904, decorrente da aprovação da lei da “Vacina Obrigatória” (1) e de uma forte e sectária oposição militar visando instaurar uma ditadura militar no país após a renúncia do titular, que, ao contrário do desejado pelos rebeldes, não o fez, declarando expressamente que não sairia do local (2), com a célebre frase: “AQUI É O MEU LUGAR” (3).
Naquela noite, o Palácio do Catete ficou todo cercado por militares e oficiais obedientes ao presidente. Conta o autor, por outra testemunha ocular, o apoio de Olavo Bilac:

“Sexta-feira, 27/01/1928.

... e ainda sobre a mesma figura [Olavo Bilac], do meu culto e do seu Bonfim [contou]
‘- Bilac nesse tempo bebia muito. Ele descia para a cidade, ordinariamente, entre as onze horas e o meio dia, trazendo sua crônica diária para a ‘A Notícia’(4). E começava a beber a essa hora, indo assim, a beber quase seguidamente, até alta noite, às vezes até alta madrugada. Ainda tenho na memória uma das ocorrências desse tempo. Foi a 14 de novembro de 1904. Nós havíamos entrado em um restaurante daquela travessa que saí no largo da Lapa, e em cuja esquina fica, ainda hoje, o Grande Hotel. Saímos tarde da noite e íamos para casa, quando, ao passarmos em frente ao Catete, vimos o palácio cercado por grande força, que aguardava ali o ataque da Escola Militar, que obedecia ao comando do Travassos (5) e do Lauro Sodré (6). Inteirado dos acontecimentos, Bilac, que havia bebido mais do que nunca, fez alto e declarou: - Eu não posso ir para casa... Eu vou fazer companhia a meu amigo Rodrigues Alves!
E dando-se a conhecer, penetrou no Catete, onde ficou até o dia seguinte, valendo-lhe isso uma formidável descompostura do ‘Correio da Manhã’ (7).
Rodrigues Alves, conclui Bonfim (8), - tinha por Bilac a maior estima. Dizia até que este namorava uma filha do presidente, que fazia maior gosto no casamento. O que é certo é que, se Bilac tivesse pedido a Rodrigues Alves um lugar na política ou na administração, teria sido imediatamente satisfeito'. 

Por fim, apenas existe o relato do autor sobre os acontecimentos e o companheirismo de Bilac. Sabe-se que Bilac não casou na família do Conselheiro. Quem sabe apenas enamorado de uma delas. Nos registros deixados por Rodrigues Alves a respeito do evento também não existe menção alguma ao fato. Parecem existir fotos de Bilac em eventos sociais onde o titular estava presente.
Mas a história é enriquecida com as memórias póstumas de fatos cotidianos desconhecidos e o relato de Humberto de Campos parece ter procedência e revela algo mais que a história oficial.

Notas

(1) Para os episódios relativos ao caso da Vacinação Obrigatória pode-se ler, entre tantos estudos, a obra: CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. Como também os artigos e caricaturas publicados aqui.
 (2) Os auxiliares mais próximos do presidente queriam que ele saísse e fosse para o mar, utilizando os fundos do palácio, que por aquele tempo tinha acesso direto ao mar. Como aconteceu algumas vezes com o Presidente Epitácio Pessoa fez durante o seu governo em Estado de Sítio. Por sua postura em ficar no palácio foi confeccionada uma pasta em couro com um cartão de prata fixada na frente com os dizeres do presidente (foto acima). Ver a respeito do levante em FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: apogeu e declínio do presidencialismo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973.  
(3) Fato similar aconteceu, em outras condições e perspectivas, por Getúlio Vargas exatamente 50 anos depois, antes de cometer suicídio.
(4) Jornal carioca onde Bilac colaborou com seus poemas e crônicas.
(5) General Silvestre Travassos, dirigente da Escola Militar da Praia Vermelha-RJ.
(6) Tenente Coronel do exército e político paraense. Primeiro governador do Estado do Pará e senador. Foi um dos maiores opositores do governo de Rodrigues Alves.
(7) Jornal carioca que fazia franca objeção ao governo RA.
(8) Intelectual, escritor e médico, nascido em Sergipe.

Referências

CAMPOS, Humberto de. Diário Secreto. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1954.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
FAGUNDES, Joaquim Roberto Fagundes & MAIA, Thereza Regina de Camargo. Guaratinguetá: Ontem e Hoje. São Paulo: Editora Noovha America, 2010.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves: apogeu e declínio do presidencialismo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1973.
JORGE, Fernando. Vida e Poesia de Olavo Bilac. 5 ed. revista e atualizada. Osasco, SP: Novo Século, 2007.

domingo, 11 de novembro de 2018

A Presidência que Não Foi

Imagem: Revista "O Malho" - 1918


Em 15 de novembro de 1918 um novo governo deveria tomar posse na República do Catete. Assim procedeu sem o principal titular eleito pelo "voto popular". Deveria assumir, pela segunda vez, o Conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves. Considerado na época um estadista e um excelente administrador. O único nome conciliar num período político conturbado e de grandes transformações no mundo e no país. Um Brasil sem líderes com visão renovada, ainda impregnado pelo modelo político instaurado em 1889 e que agonizava. Era o principio do fim da chamada "República Velha", com a morte do septuagenário homem dos dois regimes políticos, segundo a visão do seu biógrafo Afonso Arinos de Mello Franco. 
Naquele momento, como acontecera em 1985 com Tancredo Neves, assumiu o vice-presidente Delfim Moreira, mineiro das velhas lides oligárquicas, juntamente com os ministros escolhidos por Rodrigues Alves, cujas compatibilidades, para alguns, não eram das melhores. E, deste modo, permanceu até a morte do titular, instalando-se, durante algum tempo, a discussão constitucional sobre a realização de novas eleições. Apresentada, grosso modo, ainda na velha fórmula política do PRP (Partido Republicano Paulista) e PRC (Partido Republicano Conservador) fundeada na hegemonia dos dois grandes estados geradores de candidatos: São Paulo (governador Altino Arantes) e Minas (Arthur Bernades). E com o Rio de Janeiro disputando um lugar ao sol com a possível chapa Rui Barbosa-Borges de Medeiros. 
Delfim Moreira permanceu até junho de 1919, assumindo por fim Epitácio Pessoa, paraibano eleito em novo pleito, conforme rezava a Constituição, cujo o vice somente seria consolidado presidente se a morte do titular ocorresse após dois anos da posse. 
Começava a partir desse período, depois de momentos de Estado de Sítio, novos contornos políticos cujo resultado seria a mudança de rumos e ideias políticas na década de 1930. Apagando do cenário brasileiro velhos costumes imperiais e republicanos de primeira hora.