Nos tempos imperiais, como em todo tempo no país, a fidelidade partidária pela troca solidária também foi constante. Uma honra entre individuos com alguns interesses em comum. Não prevalecia na totalidade o ideário do Partido Consevador ou Liberal. Muitas vezes sobrepunham em acordo com as circunstâncias pontuais do momento, Prevalecia quase sempre a ascensão eleitoral e a ocupação por cargos. Era importante a manutenção de um eleitorado fiel e aguerrido, mesmo quando as distâncias corporais eram significativas.
Na segunda metade do século XIX consolidou-se a política dos favores materiais em grande ou pequena escala, principalmente a nomeação para cargos entre aqueles que eram eleitores qualificados e que trabalhavam arregimetando votos para candidatos aos cargos majoritários (deputados provinciais e gerais; senadores) que proporcionasse status social e financeiro ao cidadão político que permanecia comandado políticas nos municípios, sustentando os diretórios e manipulando as juntas eleitorais. A tônica, inclusive, insidia numa rede clientelar com base no parentesco, quando a discussão sobre tal assunto ainda era rarefeita. O que era interessante notar pois estava também baseada em relações parentais bem próximas (por sangue ou compadrio), embora ainda de dificil compreensão histórica quando tratada sobre o crivo das relações internas entre membros de uma mesma família ou apelido que norteavam as linhas de privilégios a conceder.
Muitos deles possuíam exercícios profissionais próprios, e não apenas lavradores, mas sobretudo comerciantes com grande influência sobre a população urbana e rural.
Entre tantos casos para citar, o quadro de correligionários regionais do Conselheiro Rodrigues Alvesregionais estendia-se por todo o Vale do Paraíba, notadamente nas pequenas e ainda ricas cidades do café no traçado Guaratinguetá-Rio de Janeiro, como pode-se ver na extensa correspondência pessoal do titular no período do Brasil Império.
Fosse de forma direta ou indireta, sempre existia a cordialidade do pedido, acompanhado de certa afetividade, preocupação e respeito, semelhantes a uma situação de idolatria e subserviciência. Mesmo daqueles com gabarito social com cabedal suficiente ou políticos da mesma envergadura.
A série "Rodrigues Alves em Velhos Papéis" traz hoje uma carta, entre outras que virão, mostrando como na prática acontecia os trâmites eleitorais e pós-eleitorais no período.
A missiva em questão foi escrita quando Rodrigues Alves já conquistara um eleitorado cativo no Vale do Paraíba, e já tendo exercicido mandatos de deputado provincial e geral; e, no momento acabado de entregar a Presidência do Estado de São Paulo para o Doutor Dutra Rodrigues (casado com a filha do Visconde de Guaratinguetá, Maria Augusta).
A carta viera da cidade de Areias, do farmacêutico carioca Júlio Cesar da Costa Sampaio (1), que ali estabelecera comércio e conquistou confiança das principais famílias e o exercício de vários cargos locais, como presidente da Câmara, delegado de polícia, chefe da instrução pública, suplente de juiz municipal e um dos chefes do Partido Conservador. Um certo forasteiro diplomado com medalha dourada que casou com a filha do Major Laurindo Carvalho Penna (2).
Foi escrita em 8 de maio de 1888 e inicia como tantas outras redações da época, recomendando sáude para toda a famílias, para na sequência abordar o principal objeto da comunicação, o recem criado Segundo Tabelionato da cidade, vago até então. Criado justamente por decreto de Rodrigues Alves em 13/03/1888.
A causa em questão era pedir a intervenção do Doutor Dutra para nomear o seu cunhado Laurindo Penna Junior (3), para ser titular vitalício do referido cartório. Como também para pedir ajuda para a nomeação de outro cunhado, Agostinho Pinto de Sá, para o cargo de Porteiro da Câmara Municipal, cujo presidente, Dr. Gomes de Castro já havia prometido ao mesmo. Um reforço a mais de grande poder de persuasão.
E termina pedindo desculpas pelo "cacete com estes dois negócios" e referindo a João Alfredo, do Gabinete de ministros do Império (4).
Do porteiro nada foi encontrado, mas Laurindo Júnior foi nomeado serventuário vitalício do Segundo Tabelionato de Areias, em 17 de maio de 1888, nove dias após a missiva enderaçada ao Conselheiro. Foi provido pelo vice-presidente do Estado, o mesmo Doutor Dutra Rodrigues.
Assim funcionava a extensa clientela em busca de cargos públicos, tão almejados e solicitados. Sinônimo de estabilidade em meio a uma vindoura crise da agricultura.
Imagem: Cópia do original depositado no Museu Conselheiro Rodrigues Alves.
Notas
(1) Era filho do médico Joaquim Antônio da Costa Sampaio, professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e de Dona Maria Luiza da Cunha.
(2) Major Laurindo de Carvalho Penna, nascido cerca de 1827 em Areias-SP. Falecido em 10/12/1889 no Rio de Janeiro.
Foi fazendeiro, proprietário e capitalista (empréstimo de dinheiro a juros) e comerciante matriculado no Tribunal do Comércio do Rio de Janeiro, estabelecendo primeiramente sociedade com Pedro Bordino da Câmara (PENNA & BORDINO) e depois com Dr. Júlio Pinto Pacca, de loja de fazenda de secos e molhados na rua principal. Em 1846 foi nomeado adminsitrador do Registro do Onça, no caminho para o porto de Mambuca, onde permeaceu até 1861. Capitão do 6º Batalhão da Guarda Nacional, reformado no posto de Major por decreto de 18/04/1874 e um dos chefes do Partido Conservador na localidade, onde exereceu os cargos de delegado (1875-1876); membro do Conselho Deliberativo da Junta Conservadora do partido; responsável pela junta de alistamento para os "Voluntários da Pátria", em 1865, por ocasião da Guerra do Paraguai. Em 1849 recebeu do governo imperial a "Ordem da Rosa", no grau de cavaleiro (Comendador). Como fazendeiro foi proprietário da grande Fazenda Sebastopol, na mesma localidade, sendo um dos primeiros a adquirir dos Estados Unidos uma máquina de beneficiar café.
(3) Nascido em Areias, esteve em São Paulo, onde passou pela Faculdade de Direito de São Paulo pelos anos de 1881 e 1882. Foi professor, na mesma cidade, em 1884, segundo o Almanach da Província de São Paulo, na Escola de ensino primário "Corrêa de Melo".
(4) Trata-se de João Alfredo Correia de Oliveira, político conservador, Presidente do Conselho de Ministros por ocasião da missiva e da abolição da escravatura no Brasil.
Referências
MUSEU HISTÓRICO E PEDAGÓGICO CONSELHEIRO RODRIGUES ALVES. Documentos pessoais do Conselheiro Rodrigues Alves.
LEAL, Carlos Eduardo de Castro. Família Carvalho Leme. Inédito.
(3) Nascido em Areias, esteve em São Paulo, onde passou pela Faculdade de Direito de São Paulo pelos anos de 1881 e 1882. Foi professor, na mesma cidade, em 1884, segundo o Almanach da Província de São Paulo, na Escola de ensino primário "Corrêa de Melo".
(4) Trata-se de João Alfredo Correia de Oliveira, político conservador, Presidente do Conselho de Ministros por ocasião da missiva e da abolição da escravatura no Brasil.
Referências
MUSEU HISTÓRICO E PEDAGÓGICO CONSELHEIRO RODRIGUES ALVES. Documentos pessoais do Conselheiro Rodrigues Alves.
LEAL, Carlos Eduardo de Castro. Família Carvalho Leme. Inédito.